domingo, 15 de agosto de 2010

Denúncia: Prefeitura de Salvador contraria seu plano diretor


Leia abaixo matéria veiculada em A TARDE:

EXTORSÃO
Parecer da procuradoria jurídica é usado para justificar mudanças que podem gerar R$ 500 mi de prejuízo

VÍTOR ROCHA, DANILE REBOUÇAS E SAMUEL LIMA

O documento utilizado para legitimar o uso da TransferênciadoDireitodeConstruir (Transcon) pela Prefeitura de Salvador na Orla Marítima contraria a Lei do PDDU proposta e aprovada pelo própriopoderpúblicomunicipal em 2008.

OTranscon éumtítulo que funciona como moeda imobiliária e que dá direito a ampliação de construções. Ela é concedida pelo município a pessoas físicas ou jurídicas.

A ex-secretária municipal de Planejamento, Kátia Carmelo, denunciou, em entrevista publicada ontem em A TARDE, a existênciada“Máfia da Transcon”. Ela consistiria exatamente no uso desta moeda em empreendimentos na orla, o que é vedado pela Lei 7.400/2008, do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU).

Kátia Carmelo resolveu falar depois de ver seu nome citado em carta apócrifa como possível participante de esquema de extorsão de empresários no contexto da prisão do blogueiro do Pura Política, João Andrade Neto.

A oposição na Câmara de Vereadores divulgou que vai começaracoletar assinaturas paraainstalaçãodeComissão EspecialdeInquérito,aCPIdo parlamento municipal.

Contradição A lei é clara no Artigo 263, no qual assegura sua utilização nos locais classificados para tal, “exceção da área de borda marítima”. A restrição foi colocada no PDDU como forma de aumentar a receita do município com a liberação da altura (gabarito) dos prédios na orla para até 14 andares. O município arrecadaria por meiodaconcessãodeoutorga onerosa, espécie de permissão que daria a liberação para o empreendimento aumentar sua área construída.

Kátiadenunciouque,nolugar de pagar outorga ao município, os empresários estariamcomprandaTransconna mão de outros empresários para utilizá-los com a mesma finalidade. Os prejuízos aos cofres públicos podem chegar a R$ 500 milhões, enquantoolucrodeportadorde Transcon em apenas um empreendimento oscila em torno R$ 4 milhões.

A prefeitura usa um parecer da procuradoria jurídica para tentar justificar o uso do instrumento Transcon na orla.

A sub-procuradora Angélica Santos Guimarães alega que isso seriaum“direito adquirido” dos proprietários sob o argumento de que as Transcons foram concedidas antes da aprovação da lei.

O parecer da procuradora surgiu sete meses após a aprovação do PDDU na Câmara.

Como todas as leis, sua redação tem que ser aprovada pela procuradoria jurídica do município, a mesma que contraria a lei com parecer. A assessoria da procuradoria não conseguiu localizar a sub-procuradora.

Especialista A TARDE ouviu um especialista jurídico isento. Para José Amando Júnior, mestre em direitopúblico,aaplicaçãoda Transcon na orla só é direito adquirido para quem solicitou seu uso antes da aprovação do PDDU. As novas autorizações estão, portanto, proibidasporlei.“Seoprojeto de incorporação foi posterior à lei, em tese não teria direito”, conclui.

Ele afirma que, no caso em questão, o direito adquirido não é ferido. “O que há é uma limitação de local onde usá-lo, com base na lei nova”.

Para ele, cabe ao Tribunal de Contas apurar se o município deixou de arrecadar.

Defesa Em sua denúncia, Kátia Carmelo cita o superintendente da Sucom, Cláudio Silva, o secretário particular do prefeito João Henrique, Ricardo Araújo, e o engenheiro Alcebíades Barata como operadores do suposto esquema. Ela diz que Barata se apresenta em nome de Carlos Suarez, dono de empreendimentos naAv.Paralela, edoadvogado Francisco Bastos.

O superintendente da Sucom, Cláudio Silva, explicou que a Transcon é um instru-mento usado pela prefeitura para pagamento de áreas desapropriadas.

Para ele, as pessoasquereceberamTranscon até antes do PDDU (fevereiro de 2008) podem negociar o título com empreendimentos na orla.

“Para essas pessoas, a Transcon pode ser usada em qualquer bairro. Vetar isso, seria a prefeitura desapropriandoocidadãoduasvezes.

O parecer da sub-procuradora é perfeito”, ilustrou Silva, que disse realizar auditoria interna sobre o caso. Ele justificou a não publicação do balanço do Transcon no Diário Oficial, como manda a lei, com o argumento de que vai fazê-lo no final deste ano.

Sindicância Nota assinada pelo secretário da Casa Civil do Município, João Cavalcanti, informa que João Henrique determinou a abertura de sindicância para apurar as denúncias.

Também em nota, Alcebíades Barata diz que a acusação é “leviana” e “evidencia claro artifício de se projetar perante a opinião pública como vitima de uma possível trama paraprejudicá-la”.Barataalega “propósito oculto” de Kátia, com o possível intuito de “distanciar-se daqueles que estão sendo acusados de extorquir empresários da construção civil, com os quais (os denunciados), pelo que se propaga,tem(com) ela estreita e íntima relação”.

Barata estabelece ligação entre Carmelo e os denunciadosporextorsão, grupono qual está o dono do Pura Política, João Andrade Neto. “Fácil será constatar que o malsinado comportamento de sacar acusações contra terceiros, semqualquerprova,será, provavelmente, prática comumdaqueles que foram denunciados”, conclui.

A TARDE ligou para o celular de Ricardo Araújo.

Quematendeuidentificou-se como amigo dele e ficou de passar o recado. Não houve retorno. O advogado André Teixeira, indicado como interlocutor de Carlos Suarez, disse que não advoga mais para ele. Teixeira se comprometeuadarocontatodoatual advogado, o que não ocorreu até o fechamento.

Silêncio A assessoria de imprensa de João Henrique disse que ele não ia se pronunciar.

O QUE É TRANSCON?

Título concedido pela prefeitura a donos de áreas desapropriadas.

É uma espécie de moeda imobiliária e dá direito de ampliar construções além da sua licença básica. É vendida entre empresários

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