quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

177 anos da Revolta dos Malês


177 anos da Revolta dos Malês

Na madrugada entre 24 e 25 de janeiro de 1835, eclodia a chamada Revolta dos Malês. A palavra malê vem de imalê, que é como os seguidores do islamismo eram chamados em iorubá. Como explica o professor João Reis, os malês eram muçulmanos de origem iorubana, conhecidos aqui como nagôs. A Bahia monopolizou o comércio brasileiro dos portos do Golfo do Benin por onde a maior parte dos muçulmanos embarcava. Foram mais de 350 mil escravizados vindos dessa região entre 1791 e 1850, e cerca de 10% deles eram muçulmanos. Em sua maioria, vítimas de conflitos dentro do território da atual Nigéria, e das sucessivas revoltas que levaram à queda daquele reino.
Mas a rebelião contou com a participação de diversos grupos sociais. Nagôs filhos de Orixás e muçulmanos haussás são outras etnias que demonstram a importância religiosa da luta. Outras ainda, como tapas e bornos, representam a diversidade étnica do levante, que unificou escravizados indignados com a situação social em que o povo negro vivia. Tanto, que a Revolta dos Malês envolveu 600 pessoas, um número espetacular para a população da época.
Após uma tentativa de repressão dos rebelados, graças a uma delação, eles seguiram para a prisão da Câmara Municipal de Salvador. A intenção era libertar o líder Pacífico Licutan, preso para ir à leilão junto com outros “bens” de um endividado escravocrata. Não houve sucesso, mas a batalha continuou em outros pontos da cidade e, ao ser sufocada – com o custo da vida de 70 rebeldes e 10 oponentes - instalou-se um medo singular na elite baiana e brasileira de que os negros voltassem a se revoltar, cujos efeitos são sentidos até hoje.
O temor de que a revolta pudesse ser repetida levou à vigilância cuidadosa, repressões agressivas e deportações, especialmente de escravizados mulçumanos. A repressão e a violência que até hoje marcam as disputas sociais no Brasil, no campo e na cidade, são a resposta da elite diante do medo de uma nova insurgência do povo negro.
Mesmo que os movimentos sociais tenham avançando para instrumentos de luta pacíficos, a repressão por parte dos interesses dominantes mantém-se violenta. A população negra continua sendo vítima da desigualdade econômica e política no Brasil. O crescimento econômico trouxe oportunidades às famílias negras, mas também reacendeu a face objetiva do racismo. São inúmeros os exemplos. Mais recentemente, ganharam repercussão nacional a expulsão de uma criança negra de um restaurante em São Paulo, “confundida” com um pedinte; já em Salvador, uma mulher foi presa em flagrante na fila de um mercado após ofender um jovem negra com a frase “Só pode ser coisa de preto, por isso que negro é burro”. Parece terminada a era da suposta “democracia racial”, antes reforçada pelos valores politicamente corretos, em que o racismo era subjetivado na imagética social e na prática do poder. O apartheid agora se tornou objetivo e os inimigos da igualdade passaram a mostrar a cara e empunhar as armas.
Como defendido em artigo recente de Sueli Carneiro, é preciso atualizar as estratégias de luta. E uma das estratégias é a memória da resistência e da luta das mulheres e homens negros, já que, como disse Marcus Garvey, “Um povo sem o conhecimento da sua história, origem e cultura é como uma árvore sem raízes”. Para não perdermos as nossas raízes, é necessário relembrar os escravizados Pedro, Gonçalo e Joaquim e o liberto Jorge, fuzilados em 14 de maio de 1835 no Campo da Pólvora.
Precisamos relembrar também as escravizadas que foram fundamentais à organização e mobilização da luta, repassando as informações através de seus tabuleiros que andavam por todo o centro da cidade, e Luiza Mahin, que seria coroada “Rainha da Bahia” caso a revolução tivesse êxito. Por isso, um projeto do nosso mandato, indicado pela Coordenação das Entidades Negras (CONEN), sugeriu a nomeação da Estação do Metrô de “Campo da Pólvora-Malês” e a construção de um monumento aos quatro heróis da Revolta e a Luiza Mahin. A Revolta dos Malês é parte da história da Bahia e do povo baiano.

Marta Rodrigues
Vereadora do PT-Salvador e presidenta da Comissão da Reparação da Câmara Municipal de Salvador

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